Todo final de semana, desde criança, Jacque Chanel se arruma e vai para o culto. No último domingo (23), dos sapatos até o óculos de grau, escolheu vestir-se de preto — exceto pelo terço vermelho, laranja, amarelo, verde, azul e roxo que tem pendurado no pescoço. Só ficou mais colorida quando, durante a celebração religiosa, recebeu em seus ombros pela primeira vez a estola, adereço usado por sacerdotes e sacerdotisas. Ali foi ordenada pastora e deu início à Séforas, primeira igreja trans do Brasil.
Dois pastores e uma pastora guiaram a celebração para uma plateia de três pessoas e uma câmera de transmissão ao vivo para os fiéis que acompanhavam de casa. Entre louvores e orações que se misturavam aos barulhos das ruas do centro de São Paulo (SP), o choro emocionado de Jacque ao vestir o adereço ainda podia ser escutado. “Eu estou toda trêmula!”, é tudo que ela consegue responder ao final do culto.
Um colega sacerdote tenta achar as palavras para descrever o momento por ela: “Imagina, ser evangélica desde criança e, por ser uma pessoa trans, nunca ter podido viver plenamente essa verdade dentro da igreja. Essa verdade não só da sua identidade, como pessoa trans, mas também como mulher cristã. Então, isso tudo tem muito significado para a vida dela, né? Mas eu acho que tem um sentido para além disso: é um exemplo para outras pessoas trans.”
FÉ E SOLIDARIEDADE
Em sua primeira fala como pastora, Jacque usou o momento para lembrar quem a assistia de que ela é a exceção de uma regra. Aos 56 anos, contrariou a estatística que mostra que a expectativa de vida de uma transexual é de 35 anos, de acordo com a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).
A maioria, como ela diz, não tem outra opção além de ir para as ruas. Foi para essas pessoas que Jacque puxou sua primeira oração após o benzimento com óleo que marca o início do sacerdócio. “Quero pedir uma oração especial para nossos irmãos de rua, as nossas irmãs travestis e transexuais que estão na avenida sem esperança, sem a menor dignidade e sem um teto. Essas pessoas precisam muito da nossa oração”. Fonte – PE 10