20 anos do caso Serrambi e não haverá punição

Por -DP .

O dia 3 de maio deste ano é mais que apenas uma data no calendário para a Polícia, para o Ministério Público de Pernambuco (MPPE), para o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), para a Praia de Serrambi e o município de Ipojuca, e, principalmente para as famílias das adolescentes Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão. A imagem das adolescentes passeando na praia contrasta com a brutalidade do assassinato delas, após possível tentativa de estupro. O que ficou conhecido como “Caso Serrambi” completa 20 anos e, com a prescrição da punibilidade, os crimes passarão à condição de marcas permanentes nas famílias. E nas instituições, pois, apesar de todos os recursos utilizados, não ocorreu a punição das pessoas que praticaram os crimes.

As adolescentes Maria Eduarda e Tarsila, então com 16 anos, foram passear na praia de Serrambi, município de Ipojuca, no Litoral Sul de Pernambuco, e desapareceram. Na véspera do desaparecimentos, as adolescentes saíram com amigos para um passeio de lancha e foram vistas pela última vez passeando na Praia de Maracaípe, mesmo município, tendo sido vistas com vida pela última vez no dia 3 de maio de 2003. Dez dias após o desaparecimento, os corpos das duas foram encontrados em estado de decomposição num canavial, em Camela, distrito do mesmo município, no início de um longo processo de investigação.

Tempo de prescrição

“Meu sentimento é o dever cumprido”, pontua a juíza Andrea Calado, que presidiu o julgamento dos crimes, convicta de que não há mais o que ser feito. “Não seria mais possível abrir uma nova linha de investigação porque o fato já estaria prescrito, prescreve com 20 anos após a data do fato”, confirma. Acrescenta que o Caso Serrambi envolveu três inquéritos com as mesmas conclusões, pelo Grupo de Operações Especiais (GOE), Polícia Federal (PF) e Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), e, em seus cerca de 20 anos de magistratura, praticamente todos na área criminal, não recorda de outro processo que tenha tido sequer dois inquéritos. 

“Todas as linhas de investigação foram trilhadas pelos delegados. O que é tese divergente entre o MPPE e os assistentes de acusação e a defesa (dos acusados) é quem seriam os kombeiros que teriam cometido esses crimes”, lembra a juíza. Ao longo de muitas investigações e perícias, na Polícia Civil de Pernambuco (PCPE) e na PF, os irmãos “kombeiros” Marcelo e Valfrido Lira foram formalmente acusados pelos crimes, presos, julgados e absolvidos pelo júri popular, por apenas um voto (quatro votos a três), em 2010. Houve apelação pelo MPPE e pelos pais de Tarsila Gusmão, em 2015, mas o TJPE manteve o resultado. Houve recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas foi negada a anulação do júri popular.

Mesmas conclusões

“Fica uma sensação de tristeza. Fizemos o que era possível para que houvesse Justiça. A gente lamenta muito pelas mortes da Maria Eduarda Dourado e da Tarsila Gusmão ficarem impunes”, diz o promotor de Justiça Salomão Ismail Filho. Para ele, o erro foi realizar o julgamento dos acusados em Ipojuca. “Fizemos de tudo para tirar o júri de Ipojuca, porque havia envolvimento político, uma espécie de ‘guerra entre rico e pobre’”, lembra, acrescentando também ter ocorrido muita falha técnica no início, mas preserva uma convicção sobre os crimes. “Não tem nenhuma dúvida de que os acusados cometeram os crimes. Se o júri ocorresse no Recife eles seriam condenados”, garante.

Entrevistados para a produção do vídeo sobre o Caso Serrambi veiculado no canal do Diario de Pernambuco no YouTube (clique aqui para assistir), os delegados José Silvestre. primeiro a investigar os crimes pelo GOE, e Paulo Jeann, que assumiu o caso em 2007, pelo DHPP, também não cogitam dúvida sobre a culpa dos kombeiros. “O trabalho foi realizado, não apenas por mim, mas por outros profissionais, inclusive da PF, que concluíram absolutamente pela mesma condição. E todos os indícios, todas as evidências e todos os fatos corroboram com a cronologia e com a dinâmica que nos levam a identificar eles”, salienta  José Silvestre.

Benefício e julgamento

Os delegados também compartilham o entendimento de que não houve falhas na investigação. “Houve aquilo que hoje nós chamamos de ‘fake news’. As pessoas que integram o júri são da região. Dava-se chance para a construção de narrativas que apelavam para o sentimentalismo popular de haver uma tentativa de direcionar aquilo para um ‘pobre coitado’ e o júri entendeu por 4 a 3 isso”, analisa. “Infelizmente, essa situação toda só trouxe um benefício, para o eventual criminoso. A família, a Justiça ficou sem resposta, mas a PCPE e a PF fizeram o que tinha que ser feito”, afirma.

“O pedido de desaforamento do julgamento do júri popular do chamado Caso Serrambi foi negado por uma das Câmaras Criminais do TJPE e realizado em Ipojuca. No meu entendimento foi cumprido o que é previsto no Artigo 5, Inciso XXXVIII da Constituição Federal”, lembra. “Não estavam presentes as hipóteses do Artigo 427 do Código de Processo Penal, que autorizam o desaforamento do julgamento”, reforça. 

*Com colaboração/reportagem de Luis Boaventura.

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